Me. LUCIMARA ANDREIA MOREIRA RADDATZ
(orientadora)
Dra. RENATA RODRIGUES DE CASTRO ROCHA
(coorientadora)
RESUMO: O acesso à justiça é indispensável à garantia de todos os demais direitos. A Constituição Federal de 1988 o protege e o eleva ao patamar de direito fundamental, assim como buscamecanismoscapazes de efetivá-lo, visto que a garantia de qualquer direito adquirido necessita de meios aptos a reclamar sua violação frente ao Estado. Nesse contexto, a Defensoria Pública se apresenta como única instituição constitucionalmente incumbida de promover ao necessitado, individual ou coletivamente, a resolução de seus conflitos. O objetivo geral do presente artigo científico é explorar os conceitos de acesso à justiça e o papel da Defensoria Pública na efetivação desse acesso. Já em relação ao objetivo específico, busca-se analisar a prestação jurisdicional pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins. A referida análise é feita com base nos recursos utilizados para o desenvolvimento das suas atribuições defensoriais, bem como, pela comparação entre com as demais Defensorias Públicas brasileiras, indicando os possíveis óbices no cumprimento da sua missão, a fim de construir hipóteses de aperfeiçoamento Institucional. A metodologia utilizada é o método dedutivo, por meio de uma análise qualitativa, partindo de um espectro amplo em direção a um ponto específico acerca do tema abordado, por meio da revisão bibliográfica.
Palavras-chaves: Acesso à justiça. Direito fundamental. Garantias constitucionais. Assistência judiciária gratuita. Defensoria Pública.
ABSTRACT: The access to justice is essential to guarantee all other rights. The Federal Constitution of 1988 protects it and elevates it to the baseline of a fundamental right, as well as seeking mechanisms capable of making it effective, since the guarantee of any acquired right requires means capable of claiming its violation before the State. In this context, the Public Defender's Office presents itself as the only institution constitutionally responsible for promoting to the needy, individually or collectively, the resolution of their conflicts. The general objective of this scientific article is to explore the concepts of access to justice and the role of the Public Defender's Office in making this access effective.In relation to the specific objective, it seek to analyze the jurisdictional provision by the Public Defender's Office of the State of Tocantins. The aforementioned analysis is based on the resources used for the development of its defense attributions, as well as, by comparing it with the other Brazilian Public Defender, indicating the possible obstacles in the fulfillment of its mission, in order to build hypotheses for Institutional perfectioning. The methodology used is the deductive method, through a qualitative analysis, starting from a broad spectrum towards a specific point about the topic addressed, through the literature review.
Keywords: Access to justice. Fundamental right.Constitutional guarantees.Free legal aid.Public Defender's Office.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PARA O ACESSO À JUSTIÇA. 2.1 O SURGIMENTO DOS DIREITOS NO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 2.2 OS OBSTÁCULOS PARA O ACESSO À JUSTIÇA. 2.2.1Obstáculo econômico. 2.2.2 Obstáculo cultural. 2.2.3 Obstáculo organizacional. 3. O PAPEL CONSTITUCIONAL DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS. 3.1 DIAGNÓSTICO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL. 3.2 CONHECIMENTO DA POPULAÇÃO SOBRE OS SERVIÇOS PRESTADOS PELA DEFENSORIA PÚBLICA E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS. 4. UM BREVE HISTÓRICO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS E A SUA ESTRUTURA. 4.1 CRITÉRIOS PARA O DEFERIMENTO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA E PERFIL DOS ASSISTIDOS NO TOCANTINS. 4.2 QUANTITATIVO DE ATENDIMENTOS E ATIVIDADES REALIZADAS . 4.3 FERRAMENTAS DE ACESSO À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS E O DESENVOLVIMENTO TECNÓLOGICO EM PROL DO ASSISTIDO.4.4 SITUAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
Em seu art. 5º, inciso LXXIV, a Constituição Federal, garante a assistência jurídica integral e gratuita aos cidadãos economicamente hipossuficientes. Essa assistência consiste no oferecimento de orientação e defesa jurídica àqueles que comprovarem insuficiência de recursos para arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, além de outras despesas remanescentes do processo.
Neste contexto, a Defensoria Pública é constitucionalmente incumbida da função de defesa integral e gratuita à população hipossuficiente. Somente a essa Instituição, foi conferido o dever de promover ao necessitado, de forma individual ou coletiva, o remate aos seus conflitos.
Contudo, nota-se que apesar da ascensão da Defensoria Pública no que se refere à sua autonomia e consequente estrutura, é possível verificar que existem dificuldades a serem superadas para o integral cumprimento da sua missão constitucional. Conhecê-las, pode possibilitar a implementação de soluções capazes de tornar o acesso à justiça mais eficiente ao assistido.
Pela mesma razão, se revela a importância e a justificativa para a realização da presente Pesquisa, a qual buscará responder às seguintes questões: O que é o acesso à Justiça e quais são seus obstáculos? Qual é o papel da Defensoria Pública na efetivação do acesso à Justiça? E, finalmente, qual é a situação da sua efetivação no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Tocantins?
Nesse viés, o objetivo geral deste trabalho éexplorar os conceitos de acesso à justiça e o papel da Defensoria Pública na efetivação desse acesso. Já em relação aos objetivos específicos, busca-se apresentar umaanáliseda prestação jurisdicionalpela Defensoria Pública do Estado do Tocantins, por meio de um comparativo entre as Defensorias Públicas brasileiras, indicando os possíveis óbices nocumprimento da sua missão constitucional, a fim de construir hipóteses de aperfeiçoamento Institucional.
A metodologia utilizada no presente trabalho científicoé o método dedutivo, por meio de levantamentos qualitativos, partindo de um espectro amplo em direção a um ponto específico acerca do tema abordado, utilizando da revisão bibliográfica, com base na legislação de regência, notadamente a Constituição Federal de 1988, além da Lei nº 1.060/50, Lei Complementar nº 55 /2009, da Pesquisa Nacional da Defensoria Pública2022, dos Relatórios de Gestão publicados pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins e da Resolução CSDP nº 170/2018.
Apesar de utilizar do método dedutivo, baseia-setambém na abordagem quantitativa, por meio da análise estatística para compreender o aspecto qualitativo da prestação jurisdicional pela DPE-TO.
Dada à análise contextual e observação da realidade do funcionamento jurídico, administrativo e orçamentário, apresenta-se como uma pesquisa empírica de natureza aplicada.
Toda essa abordagem é desenvolvida no método dialético, haja vista a proposta deste trabalho, qual seja a de compreender como se dáo acesso à Justiça por meio das defensorias públicas, e em particular a do Tocantins, comparando-a com as demais em aspectos pontuais.
Em resultado, espera-se colaborar com a conscientização de um corpo social mais consciente dos seus direitos e deveres, que seja democrático, igualitário e habilitado a superar as diversas formas de desigualdade, sejam elas sociais, econômicas ou culturais.
Por todo o exposto, as contribuições a serem apresentadas se darão em âmbito acadêmico, Institucional-organizacional (Defensoria Pública do Tocantins) e político-social do Estado. A força motriz destapesquisa é o anseio por contribuir ainda que com uma diminuta fração,para encurtamento do caminho entre o cidadão e os seus direitos.
2.O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PARA O ACESSO À JUSTIÇA
É cediço que a dignidade da pessoa humana se sobrepõe a de qualquer organização social que defenda a existência de direitos humanos fundamentais e se disponibiliza a efetivá-los para a sociedade. Trata-se de um bem inerente à pessoa e, portanto, improrrogável, inalienável e inviolável.
Para CANÇADO TRINDADE (2003), a ideia dos direitos humanos é tão antiga como a própria história das civilizações, tendo logo se manifestado em distintas culturas e em momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana, na luta contra todas as formas de dominação, exclusão e opressão, em prol da salvaguarda, contra o nepotismo, arbitrariedade e a asserção da participação na vida comunitária e do princípio da legitimidade.
SARLET (2001) defende que tal dignidade é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Resta evidenciado que a limitação a direitos como o trabalho, a saúde, educação e a vida digna, precede a pobreza, de forma que essa favorece a negação de todos os direitos humanos. O estado de pobreza obstaculiza não apenas o acesso à justiça, mas gera entraves ao exercício da própria cidadania. É nesse contexto que as possibilidades de violência aos direitos humanos recaem com maior expressividade sobre os vulneráveis, pois impossibilita o integral desenvolvimento dessas pessoas.
Nota-se que mesmo diante da inexistência de um conceito final pronto e acabado de justiça, é de indubitável importância a busca pela sua aplicação de forma satisfatória, pois ela é a base da efetivação dos demais direitos pertencentes ao homem. A obtenção de qualquer direito perde sua importância frente à indisponibilidade de ferramenta eficaz a reclamá-lo: “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
2.1 O SURGIMENTO DOS DIREITOS NO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
O conceito de acesso à justiça sofreu importantes transformações ao decorrer da história, sendo impreciso o início do cunho desse direito na sociedade. Entretanto, nota-se, no Código de Hamurábi, datado entre os séculos XXI e XVII a.C., o surgimento desse direito, pois o referido código prévia à parte interessada o direito de audiência frente ao soberano, o qual detinha o poder de decisão.
No Brasil, a história demonstra que por muito tempo o Estado foi omisso em reconhecer, ainda que no campo formal, os direitos fundamentais do seu povo. Entre as mudanças legislativas e políticas, o produto do distanciamento entre as pessoas e o nascimento do efetivo Estado de Direito, eram as diversas formas de violação dos direitos humanos, posteriormente, patrocinadas pela própria Constituição.
O progresso alcançado pela classe operária ao lutar por melhores condições laborais e pelos direitos políticos se tornaram marcos importantes, tendo em vista que essas conquistas forçaram o Estado a se posicionar, ainda que formalmente como garantidor dos direitos medulares do homem, deixando para trás o enfoque individualista e trazendo luz ao reconhecimento dos direitos humanos fundamentais, dentre eles o acesso à justiça.
A assistência judiciária nos modelos atuais remonta das Ordenações Filipinas, estabelecidas em 1.603, e vigorou até a entrada do Código Civil de 1.916, que manteve o benefício no ordenamento jurídico. Depois, essa assistência foi regulamentada na Lei nº 1.060/50 e encontra-se em vigor atualmente.
O advento da República trouxe algumas tentativas para a imposição do acesso a justiça, mas os atos nesse sentido foram insuficientes, pois o país havia acabado de sair de um regime escravocrata.Durante as constituições que se findaram, o acesso à justiça foi se viabilizando cada vez mais até chegar à constituição atual.
Na Constituição de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, que foram instituídos os direitos e garantias fundamentais, sendo que a assistência judiciáriaascendeu ao status de garantia constitucional. Assim, o artigo 5º, XXXV,principia “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Por essa constituição também é assegurado o direito de propor Ação, o devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV da CF/88. Da mesma forma, o direito a isonomia das partes no processo, que se viabiliza através da assistência judiciária aos carentes (art. 5º, LXXIV).
Conforme FENSTERSEIFER (2017), o modelo político-jurídico de um Estado Social e Democrático de Direito estabelece como função primordial do Direito (e, por consequência, do Sistema de Justiça que o operacionaliza) o dever de prover a criação de mecanismos protetivos, tanto de cunho propriamente material quanto processual, capazes de assegurar a superação das vulnerabilidades sociais, sejam elas individuais ou coletivas, as quais podem impedir o exercício dos seus direitos com plenitude.
Atualmente, o conceito de justiça é considerado abstrato, que expõe uma forma ideal de interação social, sendo estudado pelas mais diversas áreas do conhecimento existentes, como o direito, a filosofia, a ética e a religião (LUMER, 2005). De maneira abrangente, a definição de justiça pode ser considerada como a qualidade daquilo que está em consonância com o direito; a percepção e a avaliação do que é justo; o respeito pelo direito do outro, de forma que pode ser reconhecido de maneira intuitiva na maioria das relações ou por meio das ferramentas de mediação ou pelo próprio poder judiciário, o qual também recebe o nome de “justiça”.
2.2 OS OBSTÁCULOS PARA O ACESSO À JUSTIÇA
O acesso efetivo à justiça está cada vez mais naturalizado na sociedade, contudo, o próprio conceito de efetivo é por si difuso, de difícil constatação. A efetividade completa, no contexto de um dado direito substantivo é descrita como “igualdade de armas”, a certeza de que, findo o processo, a decisão proferida baseou-se apenas no aspecto jurídico, nos direitos objetivos das partes, sem a interferência de elementos não afetos ao direito, como posição social, por exemplo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
Contudo, a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça sempre existirão obstáculos vistos como instransponíveis, cabendo aos pensadores o estudo e a identificação dos principais a serem enfrentados no objetivo de minorá-los no caminho da efetivação do direito de acesso à justiça. São vários os fatores impeditivos para o acesso à justiça, seja pela má organização do sistema judicial do País, pela falta de conhecimento da população acerca dos seus direitos ou pelas custas processuais e honorários advocatícios. Quando se considera o poder econômico médio do brasileiro, o acesso à justiça encontra-se entrevado, carente da atuação do Estado para que se torne efetivo.
Ademais, garantir acesso à justiça não se limita a simples permissão concedida a todos para que ingressem com suas demandas junto aos órgãos do Poder Judiciário. Representa o oferecimento de auxilio técnico, de assistência jurídica.
2.2.1 Obstáculo econômico
A Constituição Federal determina como um de seus fundamentos a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. É sabido que o Brasil apresenta grande desigualdade na distribuição de renda, fator que eleva os níveis de pobreza.Contudo, a redução da desigualdade não significa tão somente essa distribuição. O efetivo acesso à justiça, também reduz vultuosamente as desigualdades sociais. O termo pobreza não possui uma única definição, mas é possível afirmar que se trata de uma situação de escassez em que o indivíduo não detém as condições necessárias à manutenção de um padrão de vida que coadune com mínimo existencial, considerando o que é estabelecido em cada contexto histórico e social. Sônia Rocha conceitua:
Pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para operacionalizar essa noção ampla e vaga, é essencial especificar que necessidades são essas e qual nível de atendimento pode ser considerado adequado. A definição relevante depende basicamente do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são atendidas em determinado contexto socioeconômico (ROCHA, 2006).
Dessa forma, extrai-se que há estado de pobreza quando as pessoas vivem com renda familiar per capita insuficiente para prover o nível mínimo necessário de satisfação das suas necessidades básicas, para se adequar ao grupo social em que vivem. A pobreza é vista como consequência da ação dos homens, em resultado a forma como pensam, interpretam e agem. Nota-se que a pobreza deriva da desigualdade social, ambas sempre fizeram parte da construção histórica do país. Sempre presente nas pautas de discussão, todavia, não se apreende ações que sejam eficazes no enfrentamento desse problema. Ronaldo Coutinho Garcia aduz que:
[...] foram criadas riqueza e renda suficientes para produzir alterações significativas nas condições de vida da grande massa da população brasileira que é carente de tudo. No entanto, a riqueza existente, a produzida e a renda criada sempre foram apropriadas concentradamente por minorias que sofrem de um estado crônico de “ganância infecciosa‟ (GARCIA, 2003).
É atribuição do Estado regular intervir por meio de políticas públicas que possibilitem a diminuição da desigualdade. Sabe-se que “o mito da “cultura da pobreza”, segundo o qual os pobres não melhoram suas condições de vida porque não querem, desfaz-se, sempre na dura frieza das evidências empíricas e históricas” (ABRANCHES, 1998, 16). O que se extrai é que foram poucas as mudanças significativas durante o processo de desenvolvimento do Brasil, apesar de inúmeros estudos e discussões sobre o tema, bem como as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015.
A resolução formal de conflitos, por meio de litígio ante o Poder Judiciário pode ser bastante dispendiosa. O obstáculo econômico se refere à falta de recursos financeiros que possibilitem ao interessado defender direito adquirido em juízo pela impossibilidade de pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.
Dessa forma, “apesar de a CF/88 prever a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º XXXV), essa regra se torna letra morta quando se trata de pessoa necessitada, e por isso o filósofo Ovídeo sentenciava: “o tribunal está fechado para os pobres” (REIS; ZVEIBIL, 2013).
Há países que adotam o sistema judicial americano, em que o vencido não é obrigado a arcar com os honorários advocatícios de sucumbência. Já nos países que adotam o princípio da sucumbência, a penalidade para o vencido é aproximadamente duas vezes maior – ele pagará os custos de ambas as partes. Além disso, em outros países, como a Grã-Bretanha, o litigante muitas vezes não pode sequer estimar o nível do risco econômico – quanto lhe custará perder – uma vez que os honorários advocatícios podem variar muito (CAPPELLETTI; GARTH, 1988). Torna-se, portanto, evidente que os dois principais pilares do obstáculo econômico são os honorários advocatícios e as custas processuais cobradas pelo Poder Judiciário, que são muito altos, e, para muitos, impossíveis de serem liquidados.
O obstáculo cultural se refere à capacidade do cidadão de reconhecer seus direitos e reivindicá-los. O desconhecimento dos próprios direitos atua como obstáculo ao acesso à justiça, tendo em vista que ao não reconhecer os direitos que possui o cidadão é capaz de reconhecer sua violação. Em consequência tem-se que o acesso à justiça é limitado ou impedido em face da ignorância do possuidor de tais direitos.
Outra vertente do obstáculo cultural, além da desinformação e ignorância em relação aos próprios direitos é que grande parte da população, incluindo pessoas com certo conhecimento e escolaridade, sentem-se intimidadas pelo Poder Judiciário, temendo em recorrê-lo, mesmo tendo ciência de seus direitos ou, ainda, por desconfiança da figura do advogado. Sobre o ponto, dispõem Cappelletti e Garth:
Além dessa declarada desconfiança nos advogados, especialmente comum nas classes menos favorecidas, existem outras razões óbvias por que os litígios formais são considerados tão pouco atraentes. Procedimentos complicados, formalismo, ambientes que intimidam, como o dos tribunais, juízes e advogados, figuras tidas como opressoras, fazem com que o litigante se sinta perdido, um prisioneiro num mundo estranho (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
É notório que assim como o obstáculo econômico, no cultural, os mais afetados são a população de renda mais baixa, que, por desinformação ou por medo, optam por não buscar auxílio profissional gerando, assim, igual limitação de seu acesso à justiça.
A ferramenta adequada a esse combate é a informação, a aproximação entre o direito e a sociedade, bem como se faz necessária a disponibilização dos meios existentes a essa reinvindicação. O conhecimento pleno dos direitos de que são titulares constitui pré-requisito da solução do problema da necessidade jurídica não atendida do cidadão.
2.2.3 Obstáculo Organizacional
“Problemas especiais dos interesses difusos”, diz respeito ao tolhimento do direito de acesso à justiça em razão da dificuldade de organização frente ao complexo desdobramento histórico do nosso país (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
“Embora as pessoas na coletividade tenham razões bastantes para reivindicar um interesse difuso, as barreiras à sua organização podem, ainda assim, evitar que esse interesse seja unificado e expresso” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988). Intempéries como a falta de informação, cultura e a inexistência de órgãos reguladores, acabam por tornar-se um obstáculo organizacional. Como dito anteriormente, após breve análise dos obstáculos encontrados à efetivação do acesso à justiça, evidencia-se que os indivíduos mais afetados são aqueles desprovidos de poder financeiro e social. A solução para o dado problema mostra-se complexa, principalmente se levarmos em consideração que, no Brasil, 13.5 milhões de pessoas estão em situação de extrema pobreza (NERY, 2019, online). Entretanto, a busca por uma sociedade que seja capaz de garantir o acesso à justiça a todos deve ser de natureza contínua e incansável.
No que se refere às barreiras do acesso à justiça por meio da política é sedimentado que não se pode resolver déficits estruturais e organizacionais por intermédio da indiscriminada produção de normas, mas ao invés disso, se dirigir à verdadeira fonte do problema e, com isto, descortinar programas e estratégias capazes de resolver ou pelo menos equacionar a crise que impede o acesso à justiça.
3.O PAPEL CONSTITUCIONAL DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS
O ordenamento jurídico Brasileiro adotou o modelo público, também conhecido por “salaried staff model”. A partir desse modelo, a assistência jurídica desempenhada pela Defensoria Pública, especificamente regulada pela Constituição Federal, é definida como função essencial ao funcionamento da justiça, conforme rege o art. 134 da Constituição Federal.
Das lições deESTEVES; SILVA (2014) se depreende que, embora custeada por recursos públicos, a Defensoria Pública:
(…) encontra-se desvinculada dos Poderes Estatais, sendo livre para exercer o seu papel “inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público” (art. 4º, § 2º, da LC nº 80/1994). Assim, há independência funcional do Defensor Público em suas decisões e a Instituição é protegida nos casos mais controversos. Ademais, o art. 4º, VII, VIII, X e XI, da LC nº 80/1994, e o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985 permitem que a Defensoria Pública pleiteiepela defesa dos interesses das classes necessitadas, resguardando à Instituição a legitimidade para a propositura de ações coletivas.
Contudo, destaca-se que, apesar de o modelo brasileiro ser primariamente o público, conforme previsão do art. 4º, § 5º, da Lei Complementar nº 80/1994, a qual prevê que a assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública, em algumas localidades, ainda encontra-se em vigor o sistema judicare, em razão do não estabelecimento satisfatório da instituição na respectiva localidade, normalmente em razão da insuficiência de membros no quadro da Instituição. O Supremo Tribunal Federal considera dever constitucional do Estado, o oferecimento de assistência jurídica gratuita aos que não disponham de meios para contratação de advogado particular. Dessa forma, as políticas públicas que desviem pessoas ou verbas para outra entidade com o mesmo objetivo, em prejuízo da Defensoria Pública, são tratadas como um insulto à Constituição Federal (BRASIL, 2012, online).
Em certas ocasiões, os direitos dos indivíduos a serem defendidos pela Defensoria Pública afrontam direta ou indiretamente interesses da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de políticos ou de detentores de grande capital privado dentro dos entes federativos. Nesse espectro, no intuito de evitar influências externas no cumprimento da missão defensorial, as Emendas Constitucionais nº 45/2004, 69/2012 e 74/2013, concederam, respectivamente, autonomia funcional, autonomia administrativa e autonomia orçamentária à Defensoria Pública.
No tocante à autonomia funcional, as funções da Defensoria Pública podem ser criadas conforme o interesse da instituição, considerando-se a conveniência e oportunidade no objetivo de atender seus assistidos de forma eficaz. Necessário destacar que a autonomia funcional pertence à instituição, que não deve ser confundida com independência funcional, que é prerrogativa dos membros da instituição. No que se refere à autonomia administrativa, a Defensoria Pública pode se organizar da forma mais conveniente, observando, por óbvio, os limites legais, fincando sob a responsabilidade do Defensor Público-Geral a decisão a respeito das prioridades financeiras da instituição, do funcionamento dos núcleos, nomeação e posse de servidores, bem como a regulação dos demais procedimentos internos. Por fim, ante a autonomia orçamentária ou financeira, a Defensoria Pública tem a prerrogativa de elaborar a própria proposta de orçamento, o que permite planejar ações futuras e a justificação direta de suas despesas ao Poder Legislativo (REIS; ZVEIBIL; JUNQUEIRA, 2013).
3.2 DIAGNÓSTICO DA DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL
Em atuação conjunta entre a Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal, foi realizada a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2022. Esse documento referencia os dados apresentados neste capítulo, os quais foram extraídos do relatório consubstanciado na referida Pesquisa.
A estimativa populacional dos municípios brasileiros realizada pelo IBGE (2020) retrata que o Brasil possui 211.755.692 habitantes. Com um total de 2.628 comarcas regularmente instaladas, apenas 1.162 contam com Defensores Públicos na localidade. Dessa forma, resta evidenciado que 44,2% das localidades que sediam comarcas contam com a atuação de Defensores Públicos, em face da insuficiência de membros da Instituição.
Nessas 1.162 unidades defensoriais estão distribuídos 6.121 órgãos de atuação em todo o país, sendo 2.018 órgãos de atuação no âmbito criminal (33,0%), 2.656 órgãos de atuação no âmbito não criminal (43,4%) e 1.447 órgãos de atuação conjunta no âmbito criminal e não criminal (23,6%).
No que se refere ao perfil de renda dos assistidos, a estimativa atual indica que o Brasil possui 186.299.853 habitantes com renda familiar de até 3 salários mínimos, o que representa 88,0% da população total.
Contudo, considerando a análise conjugada das informações levantadas, a pesquisa concluiu que, no âmbito da justiça estadual, atualmente 153.188.940 habitantes são potenciais assistidos da Defensoria Pública, representando 72,3% da população brasileira.
Ao realizar a análise da população com potencial acesso à Defensoria Pública por ente federativo, as informações dão conta que o Estado de Goiás apresenta o menor índice de habitantes potencialmente atendidos, com apenas 38,2% da população do Estado. De outra forma, em apenas 9 unidades federativas, o atendimento das Defensorias Públicas apresenta potencial de atender 100% da população, são os Estados de Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Contudo, um dado importante a ser considerado nesse contexto é a somatória dos habitantes que não possuem assistência jurídica oferecida pela Defensoria, mesmo sendo enquadrados como economicamente hipossuficientes, com renda familiar de até 3 salários mínimos. Trata-se de uma população de 51.733.631 habitantes, que não possui condições de contratar um advogado a fim de para promover a defesa de seus direitos. Com efeito, considerando que o reconhecimento formal de direitos pelo ordenamento jurídico não impõe a sua efetivação direta, pelo menos 26,6% da população brasileira está à margem do acesso à justiça, sem condições que permitam reivindicar seus direitos por meio da Defensoria Pública.
No que se refere aos parâmetros para deferimento de assistência jurídica integral e gratuita, após a análise dos dados levantados, a Pesquisa concluiu que 26 Defensorias Públicas apresentam critérios previamente definidos em atos normativos internos. Esses, baseiam na renda familiar, sendo ofertado o serviço de assistência jurídica integral e gratuita àquele que recebe renda mensal familiar de até 3 (três) salários mínimos, em média.Como renda familiar, é considerada a somatória dos rendimentos mensais brutos, sem contabilizar os rendimentos recebidos por programas governamentais de transferência de renda ou benefícios assistenciais. Em alguns Estados foi possível observar a dedução de outras despesas, como o gasto comprovado com tratamento médico por doença grave ou a aquisição de medicamentos de uso contínuo (Minas Gerais e Paraná), valores gastos com despesas fixas como água e energia (Sergipe), pagamento de pensão alimentícia (Paraná) e pagamento do imposto de renda (Minas Gerais e Paraná).
Em relação aos atendimentos de pessoas jurídicas, as Defensorias Públicas de 20 entes federadosoferecem assistência jurídica a entidades com ou sem fins lucrativos, considerando as situações de vulnerabilidade econômica, devidamente comprovada. Os Estados que não oferecem atendimento a pessoas jurídicas são: Amazonas, Ceará, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Há de se ressaltar que a maioria das unidades federativas (20), apresentam critérios de deferimento de assistência jurídica que não se limitam a situação econômica do assistido, mas observa a situação de vulnerabilidade social, como vítimas de violência doméstica ou familiar; idosos; pessoas com deficiência ou com transtorno global de desenvolvimento; crianças e adolescentes; populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos ou membros de comunidades tradicionais; consumidores superendividados ou em situação de acidente de consumo; pessoas vitimas de discriminação por motivo de etnia, cor, gênero, origem, raça, religião ou orientação sexual; pessoas vitimas de tortura, abusos sexuais, tráfico de pessoas ou outras formas de grave violação de direitos humanos; população LGBTQIA+; pessoas privadas de liberdade em razão de prisão ou internação; migrantes e refugiados; pessoas em situação de rua; usuários de drogas; catadores de materiais recicláveis e trabalhadores em situação de escravidão.
Nas Defensorias Públicas da Bahia, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul e Tocantins, foi observada maior abrangência do atendimento aos vulneráveis, por não se basearem apenas nos preceitos econômico-financeiros. No que se referem aos réus em processos da execução penal, todas as Defensoria Públicas oferecem atendimento, independente de avaliação da situação financeira do assistido.
3.2. O CONHECIMENTO DA POPULAÇÃO SOBRE OS SERVIÇOS PRESTADOS PELA DEFENSORIA PÚBLICA E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS
A difusão dosserviços oferecidos pela Defensoria Pública consiste em importante ferramenta para que a população conheça o funcionamento da instituição em cada localidade em que está instalada. Neste sentido, em todas as Defensorias Públicas (100%), a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública (2022) observou a existência de órgãos destinados a divulgar o trabalho desenvolvido pela defensoria pública e informar a população sobre os serviços oferecidos pela instituição. No entanto, a despeito dessa comunicação, no bojo da Pesquisa em referência, 69,3% dos Defensores Públicos consideram o conhecimento dos potenciais assistidos como insuficiente.
Todavia, observa-se certa preocupação institucional com a educação em direitos por parte da população, no intuito de conscientizar as pessoas e criar organismos de defesa no âmbito da comunidade, possibilitando a emancipação da consciência de cidadão e o empoderamento social. Nesse contexto, 18 (dezoito) Defensorias Públicas relataram a existência de setor específico destinado à orientação e à informação da população. De outro modo, outras 10 Defensorias Públicas informaram não possuir as referidas atividades na política institucional. Apesar desse esforço de grande parte das instituições, conforme 62,4% dos Defensores Públicos que responderam a Pesquisa consideram as atividades de comunicação direcionadas a educação em direitos como pouco ou nada adequadas. Os índices mais elevados de inadequação foram apontados pela DPE-AP, DPE-MT, DPE-PA, DPE-RN, DPE-SC e DPU. O oposto foi observado por 37,5%dos Defensores Públicos, os quais consideraram as atividades institucionais de educação em direitos adequada ou muito adequada.
4.UM BREVE HISTÓRICO DADEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS E SUA ESTRUTURA
No desenvolvimento deste Capítulo, além de trazer um breve contexto histórico da Defensoria Pública do Estado do Tocantins e a sua estrutura, são relacionados os elementos que atuam como condicionantes para que a atuação da Defensoria Pública seja efetiva e garanta o acesso à justiça a população vulnerável, identificando algumas das dimensões acerca das limitações ao trabalho da Defensoria Pública. A análise é realizada utilizando dados gerais da Defensoria Pública do Tocantins extraídas da páginainstitucional e dos seus Relatórios de Gestão, em contraponto com as informações apresentadas no Capítulo 3, o qual trouxe a síntese dos dados apresentados pela Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2022.
A Defensoria Pública do Estado do Tocantins teve sua atuação iniciada no ano de 1989. Contudo, as suas atividades eram exercidas junto a outras pastas do poder executivo do Estado, quais sejam, a Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública - SEJSP, a Procuradoria Geral do Estado - PGE, a Secretaria do Interior e Justiça - SIJ e, por derradeira, a Secretaria da Cidadania e Justiça – SECIJU.
A sua autonomia veio com a Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro de 2004, posteriormente revogada pela Lei Complementar nº 55, de 29 de maio de 2009, que consolidou sua autonomia e permanece vigente até a data deste trabalho acadêmico, como a norma disciplinadora da organização da Defensoria Pública do Estado do Tocantins.
O crescimento da Instituição e, consequentemente, da demanda pelos seus serviços, tornou premente a necessidade de se instituir a carreira para Defensores Públicos, o que aconteceu no ano de 2006. Posteriormente, com a realização do primeiro concurso para servidores no ano de 2012, o Quadro auxiliar da Instituição foi preenchido.
Conforme a última Lista de Antiguidade publicada pela instituição, atualmente, a DPE-TO conta com um quadro composto por 107 Defensores Públicos, sendo 13 (treze) Defensores Públicos de Classe Especial, 89 (oitenta e nove) Defensores Públicos de 1º Classe e 5 (cinco)Defensores Públicos de 2º Classe. Já em relação ao Quadro de servidores, são aproximadamente 600 (seiscentos) nomeados– entre analistas jurídicos, analistas em gestão especializados (Administração, Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Econômicas e Jurídicas, Estatística, Jornalismo, Psicologia, Pedagogia, Serviço Social, e Tecnologia da Informação), assistentes administrativos, motoristas, oficiais de diligências, técnicos em informática; além dos servidores ocupantes dos cargos de provimento em comissão dos serviços auxiliares, conforme o Portal da Transparência institucional.
A Defensoria Pública do Estado do Tocantins está presente em todas as localidades que sediam comarcas, tendo suas sedes instituídas em40 municípios do Tocantins. As 40 unidades defensoriais estão organizadas dentro de nove Núcleos Regionais, localizados nas cidades mais populosas do Estado, Araguaína, Araguatins, Dianópolis, Guaraí, Gurupi, Palmas, Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Tocantinópolis, além do Núcleo de Representação em Brasília.
4.1 CRITÉRIOS PARA O DEFERIMENTO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA E PERFIL DOS ASSISTIDOS
Conforme prevê a Resolução CSDP n 170/2018, dentre os critérios para deferimento de assistência junto à Defensoria Pública do Tocantins, destacam-se a renda mensal individual de até 2,5 salários mínimos, renda familiar de até 4 salários mínimos, renda familiar per capita não superior a 80% do salário mínimo por pessoa, não ser proprietário, herdeiroou legatáriode bens móveis, imóveis, superior a 180 salários mínimos, não possuir investimentos financeiros em aplicações superiores a 20 salários mínimos.
A referida Resolução presta especial atenção em casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, pessoas idosas, com deficiência ou com transtorno global de desenvolvimento, lesão a interesses individuais ou coletivos da criança, risco iminente à vida ou à saúde do assistido ou comunidades em situação socialmente vulnerável.
O resultado da análise socioeconômica realizada pela Defensoria Pública do Estado do Tocantins demonstra que29,6% dos assistidospossuem apenas ensino fundamental incompleto e baixíssima renda, seja ela individual ou familiar. Em torno de 58%, aufere renda individual de zero a meio salário mínimo.
Quanto à pessoa jurídica, para estar no perfil de assistida, não pode ter bens com valor superior a 80 salários mínimos, não deve possuir em seu quadro, empregado prestador de serviços autônomo, sócio ou administrador com remuneração bruta mensal superior a dois salários mínimos. As aplicações financeiras ou investimentos também não podem ultrapassar o valor correspondente a dez salários mínimos. Ademais, no caso da pessoa jurídica com fins lucrativos, os sócios deverão preencher os requisitos da pessoa física apta ao atendimento. Já nos casos de entidades civis sem fins lucrativos, o Defensor Público analisará a alegada insuficiência de recursos financeiros.
A Resolução nº 170/2018 trouxe instrumentos de controle social para o monitoramento da prestação de assistência por parte da Defensoria Pública, conforme descrito no Art. 24:
“Qualquer cidadão poderá impugnar administrativamente o deferimento de assistência jurídica gratuita mediante apresentação de elementos concretos que indiquem divergência entre a condição financeira do assistido e os critérios estabelecidos pela Instituição”.
A impugnação deverá ser dirigida ao Diretor do Núcleo Regional da Unidade que prestou o atendimento que se deseja impugnar.
4.2 QUANTITATIVO DE ATIVIDADES REALIZADAS
A Atuação da DPE-TO compreende as seguintes áreas: cível, família, fazenda pública, criminal, infância e juventude para atendimentos individuais, juizados especiais; e conta ainda com equipe de acompanhamento multidisciplinar formada por psicólogo, assistente social e pedagogo. Da tabela abaixo se extrai a quantidade de atividades realizadas por membros e servidores, as quais não se limitam apenas aos atendimentos, mas todas as movimentações realizadas em prol do assistido.
Tabela 1 – Atividades realizadas por área
ÁREA |
2017 |
2018 |
2019 |
2020 |
2021 |
Cível |
56.056 |
58.779 |
86.604 |
93.118 |
118.226 |
Contadoria |
43 |
10 |
358 |
249 |
357 |
Criminal |
90.594 |
106.554 |
116.189 |
91.301 |
110.878 |
Diligências |
51 |
6.089 |
6.949 |
2.530 |
1.787 |
Direitos Humanos |
163 |
303 |
299 |
192 |
215 |
Execução Penal |
26.175 |
30.946 |
21.259 |
19.767 |
32.522 |
Família |
186.311 |
203.418 |
195.928 |
160.100 |
212.997 |
Fazenda Pública e Registros Públicos |
38.538 |
42.299 |
43.135 |
33.253 |
44.365 |
Infância e Juventude |
16.889 |
17.033 |
16.631 |
13.171 |
15.989 |
Juizado Especial Cível |
19.166 |
19.972 |
19.659 |
13.880 |
18.545 |
Juizado Especial Criminal |
9.062 |
11.068 |
5.693 |
1.359 |
1.674 |
Multidisciplinar |
1.939 |
2.025 |
1.842 |
769 |
975 |
Outras |
|
|
48 |
5 |
4 |
Precatória |
3.250 |
3.909 |
5.896 |
2.760 |
1.579 |
Superior Tribunal de Justiça |
- |
- |
91 |
102 |
334 |
Supremo Tribunal Federal |
- |
- |
7 |
24 |
55 |
SUBTOTAL |
448.687 |
502.355 |
520.588 |
432.580 |
560.502 |
Fonte: Relatórios de Gestão da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (2017-2021)
Conforme dispõe a Resolução-CSDP nº 182, de 05 de abril de 2019, a DPE-TO possui Núcleos Especializados em sua estrutura, os quais objetivam assegurar atendimento especializado às pessoas que se encontram em situação de risco pessoal e social. Os referidos Núcleos possuem natureza permanente e atuam prestando suporte e auxílio no desempenho da atividade funcional dos Defensores Públicos, por meio da propositura e acompanhamento medidas judiciais e extrajudiciais, sem detrimento da atuação do Defensor Público natural. Assim, os Núcleos atuam também no fomento às políticas públicas ligadas à respectiva área de atuação.São eles: DPAGRA - Núcleo da Defensoria Pública Agrária, NADEP – Núcleo Especializado de Assistência e Defesa ao Preso, NDDH – Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos, NUAmac - Núcleo Aplicado das Minorias e Ações Coletivas, NUCORA - Núcleo Especializado de Questões Étnicas e Combate ao Racismo, NUDECA - Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, NUDECON - Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor, NUDEM – Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, NUJURI - Núcleo do Tribunal do Júri, NUMECON - Núcleo Especializado de Mediação e Conciliação e NUSA - Núcleo Especializado de Defesa da Saúde.
Tabela 2 - Atividades dos Núcleos Especializados
|
|
NÚCLEOS ESPECIALIZADOS |
2021 |
DPAGRA |
669 |
NADEP |
797 |
NDDH |
256 |
NUDECA |
1.234 |
NUDECON |
578 |
NUDEM |
542 |
NUJURI |
221 |
NUSA |
1.934 |
NUAMAC ARAGUAÍNA |
295 |
NUAMAC DIANÓPOLIS |
284 |
NUAMAC GURUPI |
203 |
NUAMAC PALMAS |
683 |
TOTAL |
7.696 |
Fonte: Corregedoria Geral da Defensoria Pública – Estatística (2022)
4.3 FERRAMENTAS DE ACESSO À DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO TOCANTINS E O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO EM PROL DO ASSISTIDO
O cidadão que deseja ser assistido pelaDPE-TO,possui dispõe de diversas ferramentas de acesso à instituição. A maioria dos sistemas tecnológicos utilizados na Instituição foi desenvolvido e aplicado pela própria equipe de tecnologia da DPE-TO. Além do agendamento presencial e por meio de ligação gratuita, a instituição dispõe de ferramenta de agendamento on-line implantada no site. Desse modo, as pessoas que buscam atendimento podem agendá-lo de forma totalmente autônoma para qualquer uma das 40 unidades defensoriais distribuídas no Estado. Ademais, nota-se que a referida página é acessível às pessoas que se comunicam por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), sem a necessidade de aplicativos externos, o que facilita a inclusão.
Desde o ano de 2018, com o lançamento da assistente virtual “Luna”, os assistidos podem ser atendidos por meio de mensagens privadas na plataforma do Facebook. Conforme publicitado pela instituição, Luna é um chatbot (um tipo de software que trabalha dentro de um aplicativo de mensagens) que facilita o contato com a população, por meio dos serviços de consulta de informações, reagendamentos e notificações relacionadas a atendimentos realizados utilizando de inteligência artificial. Esse serviço funciona no formato de 24 horas por dia, nos sete dias por semana e se destina ao assistido que já recebeu o primeiro atendimento – que deve ser presencial. As informações prestadas por meio de conversa no Messenger são extraídas do programa Solução Avançada em Atendimento de Referência (SOLAR), o qual também foi desenvolvido pela instituição e está em uso desde o ano de 2014. Por sua vez, o Solar é a base informatizada para todos os serviços prestados pela Defensoria no Tocantins e permite, ainda, a extração de dados quantitativos sobre os mais diversos atendimentos realizados pela Instituição, entre outras funcionalidades, conforme dispõe o Ato 215/2014.Tendo em vista o desempenho das funcionalidades e a agilidade no fluxo de informações, o referido sistema foi cedido por meio de Termo de Cooperação a outras 14 Defensorias Públicas do País.
De outro modo, quando o Defensor Público necessita peticionar em outra unidade federativa, ou o inverso, ocasião em que o assistido é atendido em outro ente federado e necessita peticionar no Estado do Tocantins, é utilizado o Sistema Integrador de Defensorias Públicas (SID), o qual também foi desenvolvido pela DPE-TO. O SIDobjetiva viabilizar os trabalhos de Defensores Públicos quanto ao peticionamento integrado. Os responsáveis pelo peticionamento integrado de cada Defensoria Pública acompanham o andamento das solicitações enviadas e/ou recebidas.
4.4 SITUAÇÃO ORÇAMENTÁRIA
. É cediço que a partir do aporte orçamentário que a Defensoria Pública dispõe, torna-se possível aferir a despesa financeira da instituição com cada assistido em potencial, em comparação com outras instituições do sistema de justiça (Ministério Público e Poder Judiciário). A tabela a seguir expõe os orçamentos anuais aprovados para a Defensoria Pública do Estado do Tocantins, Ministério Público Estadual e Tribunal de Justiça nos últimos três exercícios.
Tabela 3 – Orçamento aprovado
ORÇAMENTO |
2020 |
2021 |
2022 |
DPE-TO |
154.970.588 |
156.500.000 |
159.343.731 |
TJTO |
587.713.417 |
593.800.000 |
694.855.187 |
MPE-TO |
219.855.869 |
221.800.000 |
222.487.115 |
Fonte: Lei nº 3.622/2019 (LOA 2020), Lei nº 3.781/2021 (LOA 2021) e Lei nº 3.843/2021 (LOA 2022).
É notória a disparidade entre a previsão orçamentária apresentada. Tais números dimensionam o desequilíbrio existente no orçamento da Defensoria Pública em relação às outras instituições do sistema de justiça do mesmo Estado, tendo em vista que para cada juiz ou promotor de justiça, é fundamental a presença de um defensor público, com base no princípio da paridade de armas. Resta evidente que os recursos orçamentários são responsáveis pela expansão dos serviços da Defensoria Pública, seja pela ampliação do quadro de pessoal ou suporte de infraestrutura.
A Defensoria Pública do Estado do Tocantins compõe o Sistema de Justiça que está presente nas 40 Comarcas do Estado. No entanto, a Instituição, que atua nas mesmas localidades que o Poder Judiciário e o Ministério Público, detêm o menor orçamento para a manutenção de sua máquina.
Observa-se que a pública captação de recursos institucionais por meio de emendas parlamentares para suplementar o orçamento deficitário, se dá no intuito de viabilizar a execução dos projetos da Instituição que atendem diretamente a população hipossuficiente.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluo, por meio deste trabalho acadêmico, que o acesso à justiça não se limita ao acesso ao Poder Judiciário e que a Defensoria Pública no Brasil se mostra essencial no que diz respeito a efetivação desse direito por parte daqueles que atravessam algum tipo de vulnerabilidade. O seu empenho pela proteção e especial fomentação dos direitos humanos, materializam os princípios e objetivos que a tornaram Instituição autônoma.
Observadas as inúmeras desigualdades e injustiças, é necessário clarificar que o objetivo do presente trabalho foi demonstrar como a Defensoria Pública, sendo baseada na justiça social, está cumprindo sua parte no desenvolvimento e formação de uma sociedade que não só adquire direitos por meio da Constituição em regência, mas que possui à sua disposição os mecanismos necessários à sua defesa.
É possível identificar que a Defensoria Pública é uma instituição relativamente jovem, com muitas possibilidades de desenvolvimento no afã de minorar a desigualdade social em sede judicial e fora dela. Contudo, essa função não é de competência única dessa instituição.
Dessa forma,para concretizar o acesso à justiça, nota-se que a Defensoria Pública depende de que haja equilíbrio ao se equacionar fatores como onúmero de Defensores Públicos, infraestrutura e recursos orçamentários destinados à instituição em comparação aos outros Órgãos do sistema de justiça.Essa devida proporção corresponde diretamente ao numero de atendimentos realizados, ações judiciais ajuizadas ou respondidas pelos defensores públicos.
No âmbito nacional, observa-se que a presença das Defensorias Públicas em cerca de 40% das comarcas traduz o pouco investimento realizado no sentido de se criar uma Defensoria Pública forte e qualificada. Assim, apesar de seu papel tão fundamental na efetivação do acesso à justiça e sendo considerada pela Constituição Federal de 1988 como instituição que exerce função essencial à justiça, nota-se que a Defensoria Pública não tem recebido a atenção que lhe é devida por parte do poder público na maior parte dos entes federados.
No Estado do Tocantins, verificou-se, que a Defensoria Pública está cumprindo a sua missão constitucional a despeito das dificuldades enfrentadas. A instituição desponta frente à grande maioria das Defensorias Públicas Estaduaisbrasileiras, sob diversos prismas, seja pela capacidade de atendimento em todos os municípios que contam com os demais Órgãos de justiça, seja pelo seu expressivo desenvolvimento tecnológico, que aproximam o assistido facilitando a sua chegada à instituição e ainda, colaboram com essa aproximação por meio da cessão de seus sistemas a outros entes federados.
No entanto, o Poder Judiciário (Estado-Juiz) e o Ministério Público (Estado-Acusador) ainda fruem de melhor estrutura e prestígio do que a Defensoria (Estado-Defensor). Diante disso, o Poder Público deve efetivamente estruturar as Defensorias Públicas, promovendo a adequação do orçamento da instituição ao mesmo patamar do Ministério Público e Poder Judiciário, possibilitandointeriorização por meio da capilarização dos seus serviços de modo a proporcionar o atendimento e, por conseguinte, acesso à justiça a população desassistida.
Por fim, cabe a esta autora ressaltar que, a despeito de todos os obstáculos encontrados, a Defensoria Pública do Estado do Tocantins trilha o caminho certo à contemplação da justiça social, servindo como pilar de acesso à justiça tanto de forma individual como coletiva. A sua defesa enquanto instituição essencial à democracia se mostra imprescindível e a valorização das atividades diariamente desenvolvidas por todos que compõem a Defensoria Pública é devida, pelos governantes e pela população geral.
BRANCHES, S. H. Política Social e Combate à Pobreza: A teoria da prática, in Política Social e Combate à Pobreza. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
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TOCANTINS. Lei nº 3.843, de 28 de dezembro de 2021. Disponível em https://www.al.to.leg.br/arquivos/lei_3843-2021_57510.PDF. Acesso em 05/03/2022.
Graduada em Letras pela Faculdade da Terra de Brasília - FTB, graduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins. Servidora Pública da Defensoria Pública do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, POLLIANA PEREIRA BARROS. O princípio do acesso à justiça a partir da hipossuficiência: um recorte sobre a sua efetivação no âmbito da Defensoria Pública do Estado do Tocantins Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2022, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58905/o-princpio-do-acesso-justia-a-partir-da-hipossuficincia-um-recorte-sobre-a-sua-efetivao-no-mbito-da-defensoria-pblica-do-estado-do-tocantins. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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